Essa semana a gente conversou com a Gabi do projeto . Ela viajou por 40 países em 400 dias junto com seu companheiro Felipe e duas pequenas mochilas! Veja esta incrível experiência que a Gabi teve por países que certamente não estão na sua lista de desejos.

Gaby, como surgiu a ideia dessa viagem, de criar o Think Twice?
A ideia partiu um pouco em nós dois. Sou advogada e no escritório que eu trabalhava comecei a querer ir mais para um lado social, me envolvi com muitos projetos no terceiro setor mas ainda queria mais. No enterro do meu avô que percebi que as pessoas falavam dele por aquilo que ele construiu e contribuiu para o desenvolvimento do entorno e não apenas pela personalidade dele. Então comecei a me questionar, qual seria o meu legado? O Fe também estava articulando iniciativas sociais dentro da empresa que trabalhava. Foi quando pensamos em fazer esta viagem como uma experiência de empatia em busca de agentes de transformação, além de imergimos em uma experiência capaz de mudar antes a nós mesmos, pra depois termos condições de pensar em mudar o mundo. A nossa ideia era conhecer estes lugares com baixo nível de desenvolvimento e alta desigualdade social até para entender e ver com a os olhos de quem realmente vive esta realidade, aprender com estes projetos e trazer estas melhores práticas para o Brasil. Sempre tivemos certeza que é no Brasil que queremos ficar, por isso a ideia de fazer a viagem por todos estes países e aplicar a nossa experiência aqui.

Antes de partir vocês sairam com um orçamento para completar esta viagem. Vocês conseguiram ficar dentro do budget estimado?
Conseguimos. No começo ficamos chocados porque conseguíamos gastar menos do que gastávamos em São Paulo. Fizemos o planejamento baseados no custo de 100$/dia. Teve lugares que gastamos bem menos que isso, mas outros ultrapassamos o valor. Até porque quando encontramos projetos que gostamos fizemos algumas doaçōes.
O que vc aprendeu sobre o seu companheiro que você não sabia antes desta aventura?
O Fê cuidou muito de mim, de nós dois. Ele teve muita atenção quanto a isso, cuidou mesmo com muito amor e acho que eu não imaginava que nos tornaríamos tão companheiros. Descobri ele como parceiro para tudo, é com ele que discuto novas ideias, questiono, tiro dúvidas… é com ele que eu posso contar, sabe? Além disso, conviver 24 horas por 400 dias comprovou que uma relação de amor e amizade construída sobre respeito e admiração, torna-se o presente mais valioso que a vida pode dar.

O que você aprendeu sobre você nesta viagem que não sabia antes? O que mudou em você?
Eu descobri que sou de colocar a mão na massa, eu gosto do contato, de ficar no meio da gente, de conversar, de ouvir. Percebi que quando a gente tiver um negócio social estruturado eu sou quem ficará na favela, no morro, enfim onde tiver que ir eu estarei. Eu não me vejo mais dentro do escritório trabalhando no ambiente fechado.
Você sente que realmente conheceu os lugares por onde passou ou sente que apenas visitou?
Sinto que eu me esforcei em conhecê-los de verdade, até porque a maioria dos lugares que fomos não eram nada turísticos. Entramos em muitas vilas simples, nas casas das pessoas e participamos muito do dia-a-dia deles. O único lugar que eu não posso dizer que conheci a essência foi a Coréia do Norte porque lá a gente não conseguiu interagir muito com as pessoas. Quando conseguíamos conversar com alguém as respostas eram muito superficiais e vagas. A Coréia do Norte foi um lugar que na verdade nos deixou com mais dúvida que quando entramos, foi difícil.

Qual lugar deixou marcas e que faria você voltar?
A Angola. Ficamos apenas três dias mas foi muito tocante, tivemos experiências incríveis com as pessoas de lá. Eu me senti muito angolana porque na verdade tem muita similaridade com o Brasil. A história do nosso país é marcada por um período significativo de escravidão e boa parte dos escravos foram trazidos de Angola, por conta da localização estratégica. Somado a isso, a resiliência e generosidade do povo tem muita sinergia com a gente e me ajudou a enxergar que o Brasil é essencialmente erguido sobre influências africanas determinantes.

Qual o lado ruim?
Não era fácil se comparado ao padrão que estava acostumada, várias vezes tive que tomar banho de caneca no meio do mato, dormir em chão de terra batido, na companhia de escorpião, ratos e outros bichos não identificados. Mas tudo isso passa. Na verdade tinha uma parte que era mais desgastante que era organizar mesmo a viagem, fazer reservas de hospedagem, encontrar o ónibus certo. Mas nada se compara ao sentimento de impotência diante de situações de profunda injustiça social. Encontrar pelo caminho histórias que não podíamos transformar completamente muitas vezes não deixava frustrados por querer fazer mais e não enxergar como.
Vocês tiveram alguma barreira em relação a língua?
Ah sim, algumas vezes era complicado encontrar pessoas que falassem inglês e daí tínhamos que recorrer alguém que tivesse mais familiaridade com a língua. Mas mesmo com a ajuda de quem era fluente, se perde muito dos sentidos das palavras. Mas nada disso foi um impeditivo para a nossa interação, a gente descobriu que com o sorriso e um abraço você abre muitas portas.

Primeiro eu tive que entender que a forma como estas pessoas vivem não necessariamente é ruim ou está errada. Nossos padrões e necessidades são completamente subjetivos e relacionados aos privilégios e oportunidades que tivemos ao longo da vida. Aprendi que alguém que vive na zona rural de um país africano tem a capacidade valiosa de apreciar mais as coisas simples, como um bate papo embaixo da árvore, longe das facilidades da internet, dos eletrônicos e da enxurrada de informações que vêm com eles. Um banho de caneca, um banheiro ao ar livre, uma casa simples feita de barro são conquistados com muito esforço e imensamente valorizados por quem usufrui. Isso não quer dizer que vivem tristes e frustrados com suas condições, mas aceitam o que lhes cabe e continuam batalhando sorridentes para possam usufruir de coisas melhores dia após dia.
Quando algo era realmente triste, mas eu não podia mudar completamente com um ato singular, o que eu fazia era mentalizar o melhor de mim para a pessoa. Entregava esse melhor por meio de um abraço apertado, uma palavra de acolhida ou algum gesto que demonstrasse que existe mais gente olhando por nós do que podemos imaginar.

Algum item que você carregou o tempo todo nesta viagem?
Meu álcool gel e lenço umedecido. Inclusive foi com lencinho umedecido que muitas vezes tomei banho.
Você se inspira em alguém? Leu algum livro na sua viagem que motivou a continuar?
Eu sempre gostei muita da história da Madre Teresa, de São Francisco de Assis e agora da Malala que é incrível. Um dos livros que mais recomendo e que conta histórias de superação de mulheres ao redor do mundo é o Half The Sky. Esse livro acentuou a minha paixão pelo e tema e meu ativismo pela equidade de gênero.

Onde você está neste momento e quais são os planos?
Estamos de volta a São Paulo assimilando toda esta experiência de 400 dias de viagem. O Think Twice Brasil está passando por um processo de reestruturação e amadurecimento para se consolidar como um movimento de engajamento e conscientização social e política. Além das palestras e bate papos que estamos organizando, queremos criar formas de despertar nas pessoas o interesse por se profundar em si e no outro. Em paralelo, criei em parceria com a minha mãe, Maria, uma artesã talentosíssima, uma empresa social com foco em mulheres de baixa renda. A Maria Vai Com As Bolsas (www.mariavaicomasbolsas.com.br) é uma empresa com a missão social de conectar e empoderar mulheres através de suas histórias e desafios. Parte do valor da venda dos produtos é investido em grupos de estudo para as mulheres envolvidas.
O que é felicidade para você?
Felicidade pra mim é ser capaz desprender-se dos padrões e amarras que nos impedem de enxergar a nossa história, admirá-la, reconhê-la e viver a nossa verdade. A felicidade é um processo de libertação que nos permite buscar e encontrar na gente mesmo o que fazemos de melhor e de que forma oferecemos isso pro mundo. Quem descobre o seu propósito e o coloca a serviço do próximo, se dá conta de que a felicidade é a escolha de enxergar a vida pelo lado otimista, por mais difícil que possa ser.
*Esta entrevista faz parte de um série de entrevistas que iniciamos com pessoas inspiradoras. Se você perdeu a primeira com a Rosely pode acessar clicando aqui. Ou clicando aqui para a segunda entrevista feita com a Cris do projeto O Nosso Quintal.
Você pode acompanhar o projeto Think Twice ou pelo .
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